Por que os amantes de vinhos deveriam beber Portugal agora?

À medida em que as viagens ao país voltam, os enófilos descobrem novas experiências no Alentejo e no Douro.

Ouvindo o soar dos sinos da cúpula da Basílica da Estrela, bebo meu primeiro gole de vinho em Lisboa ao pôr-do-sol, no jardim de uma mansão do século XIX, hoje transformada em hotel. O rótulo é o Quinta da Viçosa 2017, do João Portugal Ramos, um vinho de cor rubi profundo, corte das uvas Aragonez e Syrah. Enquanto os sinos sinalizam a missa da noite de domingo, o vinho serve como precursor suave e encorpado – com notas de amêndoa e chocolate – da semana que está por vir.

Minha primeira viagem a Portugal à serviço da revista foi anos 2000. Eu costumava viajar com caronas, dormir em hostels e beber Chuck de dois dólares. Dessa vez, uso táxi ($10, agora pago em euros, do centro ao aeroporto de Lisboa), alugo um carro e me hospedo no elegante e recém aberto Palácio Príncipe Real, que possui uma adega construída sob uma grande escadaria de ferro forjado.

 

O país também evoluiu: há 20 anos tinha acabado de conquistar sua 5ª estrela Michelin; hoje, 28 restaurantes possuem o prêmio, o que se tornou uma grande atração turística e ajudando no crescimento da vitivinicultura do país. O que continua igual é minha gratidão pelo vasto conhecimento e fluência da língua inglesa.

 

O vinho é elaborado em Portugal desde a Antiguidade e, a partir do final do século XX, à medida em que a exportação foi crescendo, os críticos internacionais classificaram de forma consistente as safras do país entre as melhores do mundo.

 

O país também tem uma das maiores variedade de uvas autóctones do mundo, sendo que muitas delas não são encontradas em nenhum outro lugar. O vinho Quinta da Viçosa, por exemplo, vem de um vinhedo único com mais de 10 uvas tintas varietais, em que todo ano, o produtor João Portugal Ramos realiza experimentos, escolhendo uma uva nacional e uma internacional para misturar. Caso o resultado não seja excepcional, o rótulo não é liberado.

 

Existem milhares de pequenos produtores nas 14 regiões vitivinícolas de Portugal, que estão focados em qualidade. É um país de vinicultores butique, em que os curiosos amantes de vinho estão apenas começando a descobrir seus tesouros.

 

Quando as colheitas terminam ao fim de setembro e início de outubro, vou de Lisboa para a ensolarada região do Alentejo, logo depois ao Norte, para o Douro, e, por último, para Oeste, na cidade de Porto. O clima está mais fresco desde o fim do verão, mas a vinificação está apenas começando!

 

João Portugal Ramos vem de uma família de arquitetos e enólogos, e abraça claramente o resultado desta união: ele é um arquiteto do vinho. Ele estudou agronomia e se especializou em enologia, antes de ganhar renome por desenvolver vinhos distintos como consultor para vinícolas de todo o país. Seu estilo exclusivo utiliza o mínimo de sulfitos possível, optando pela vinificação com temperatura controlada. “Eu gosto de respeitar cada terroir”, diz ele. Em 1989, ele plantou seu próprio vinhedo em Vila Santa, um espaço de 1.250 acres localizado 90 minutos à Leste de Lisboa, em Estremoz.

 

Aqui, sob um vasto céu azul, você pode customizar sua própria experiência vitivinícola. Na manhã em que visito o vinhedo, vejo como é trabalhar na Vila Santa: primeiro, colheita manual de várias uvas Alicante Bouschet; em seguida, visto a roupa apropriada e escalo para dentro dos frescos lagares de mármore (tanques de fermentação) para pisar as uvas; e, finalmente, coloco a mão na massa para criar um blend de varietais únicas, que vai resultar em minha própria garrafa personalizada.

 

Você pode aprender muito com as viagens e degustações, mas para apreciar verdadeiramente o vinho é preciso combiná-lo com a cozinha regional. E vice-versa: “Sem vinho, a refeição é triste”, dia o Sr. Ramos.

 

O almoço na Vila Santa começa na parte externa, sob um beiral com uma vista espetacular para as vinhas, incluindo uma prova de diversos vinhos. O fenomenal João Portugal Ramos Alvarinho 2019, produzido em Monção e Melgaço, sub-região Vinho Verde, é floral e fresco, um ótimo acompanhamento para queijos de ovelha e torradas com sal, orégano e azeite de oliva.

A refeição continua, agora dentro da casa, com risoto de polvo, que proporciona um sabor do litoral de Portugal. Tem também azeitonas, vinho e legumes, que resultam em um prato simples e delicioso, que foi complementado pela codorna assada que o Sr. Ramos havia caçado com seu filho no fim de semana. Os dois pratos combinam perfeitamente com o encorpado Ramos Reserva 2019, um blend de Trincadeira, Aragonez e Syrah.

 

 

Dias quentes, noites frias, solo pobre e um pouco de chuva são os elementos chaves que tornam o Alentejo uma região vinícola de tanto sucesso. O estresse ajuda na concentração de aromas e sabores das uvas, produzindo um equilíbrio entre açúcar, taninos e acidez. O filho do Sr. Ramos, João Maria Portugal Ramos, conta que 2021 foi um ano muito bom. “Foi um verão com clima agradável, a maturação das uvas foi lenta”, diz ele. “Nós não queremos vinhos engessados, damos o nosso melhor para que sejam todos redondos e macios”.

 

Enquanto a topografia dessas regiões é relativamente plana, o Douro ondula majestosamente ao evolver as curvas de seu rio harmonioso. A região é mais conhecida pelo vinho do Porto, mas desde que Portugal se juntou a União Europeia, em 1986, a produção de não fortificados tintos e brancos tem aumentado.

 

Na Duorum, vinícola fundada em 2007 pelo Sr. Ramos e pelo enólogo José Maria Soares Franco, a entrada de paralelepípedos leva a seus íngremes vinhedos, com uma simetria tão bela que se torna epifânica – se você ama uvas. De fato, a vinícola é um santuário para várias espécies de pássaros ameaçadas de extinção.

 

Por enquanto, os convidados podem reservar uma experiência exclusiva, incluindo uma refeição privada na casa ou um piquenique na sombra das árvores, à margem do rio. Ambas escolhas possuem vistas e paisagens de tirar o fôlego. Harmonize seu prato com o Duorum Colheita 2018, um vinho equilibrado e encorpado, elaborado com um blend de Touriga Franca, Touriga Nacional e Tinta Roriz.

Texto de Claudine KO publicado no site do New York Times em parceria com a Wines of Portugal. Traduzido pela Porto a Porto.

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