Nunca antes bebemos vinhos tão bons e baratos

O vinho encanta a humanidade há milhares de anos. No começo, claro, não foi pelo sabor, nem pelo aroma, que eram bastante duvidosos, mas pelo “poder de relaxamento” que a bebida proporcionava aos nossos antepassados numa época em que a vida era dura e curta.

Tudo mudou desde então. O efeito do álcool permanece, por óbvio, mas os vinhos de hoje são saborosos, aromáticos e despertam emoções, além de contarem a história do lugar e das pessoas que o produzem. O famoso terroir.

Desde a Antiguidade, a bebida se entrelaça com rituais mágicos ou religiosos, o que faz do vinho uma das maiores expressões culturais e gastronômicas da atualidade.

E como se tudo isso não bastasse, hoje bebemos os melhores vinhos já produzidos na história. Claro que, ao longo dos séculos, as elites europeias sempre beberam os melhores vinhos franceses, italianos ou portugueses, enquanto o povo se contentava dos mais baratos, de qualidade discutível.

No livro A História do Vinho, o jornalista britânico Hugh Johnson recorda que no século XIX, Bordeaux e Borgonha viveram a Idade de Ouro da vinicultura e que os banqueiros estavam dispostos a pagar qualquer preço para adquirir as propriedades francesas. “O Médoc se transformava numa Champs Elysées de babados e flertes”, escreveu.

Os châteaux franceses continuam sendo cobiçados até hoje por investidores estrangeiros, sobretudo chineses, mas o que mudou é que, nas últimas décadas, a qualidade do vinho melhorou imensamente no mundo inteiro ao mesmo tempo que os preços médios baixaram, o que permite que, hoje em dia, mais pessoas tenham acesso a bons rótulos.

Em época romana, o vinho devia ter um sabor realmente pouco agradável a julgar pelo costume de misturá-lo com outros líquidos, incluindo água do mar, e especiarias de todo tipo. Ou seja, tomar vinho bom nunca foi uma obviedade.

O caminho até aqui não foi uma linha reta. Desde a segunda metade do século XIX até meados do século XX, a viticultura passou por desafios nunca vistos antes. A começar pela filoxera, praga que acabou com os vinhedos do Velho Mundo, e duas guerras mundiais que transformaram os vinhedos europeus em campos de batalha.

Mais conhecimento e melhorias

Após as crises, grandes transformações aconteceram. As técnicas enológicas, por exemplo, foram aperfeiçoadas: a fermentação que, por milênios havia sido um processo praticamente misterioso, foi finalmente explicada pelos químicos e hoje é realizada de forma controlada e precisa.

Os métodos de amadurecimento, seja em madeira e na garrafa, foram compreendidos mais a fundo, embora não totalmente esclarecidos, assim como os nefastos efeitos de luz e calor sobre a bebida.

Mais recentemente, rolhas de cortiça à prova de bouchonné (popularmente conhecido como cheiro de rolha) foram desenvolvidas, assim como as tampas screw cap (de rosquear), mais baratas e também livres de potenciais contaminações.

Novas regiões produtoras

Ao longo do século XIX, os países do Novo Mundo começaram a aparecer no cenário internacional com cada vez mais qualidade e quantidade, obrigando produtores do Velho Mundo a se reinventarem.

Na Toscana, nos anos 1960, nasceram os Supertoscanos, vinhos que pela primeira vez desrespeitavam as regras tradicionais ao usar uvas francesas onde sempre havia se utilizado Sangiovese.

No Piemonte, nos anos 1980, os Barolo boys se inspiraram nos produtores de Bordeaux e reinventaram aquele vinho que estava parado no tempo, transformando num dos melhores exemplos da atual enologia italiana.

Chile e Argentina ingressaram em peso no mercado internacional ao abastecer primeiro a América Latina e depois o mundo com seus Cabernet Sauvignons, Carménères e Malbecs que apresentavam um estilo nunca visto antes. Austrália e Nova Zelândia trilharam caminhos parecidos, da mesma forma que a Califórnia havia feito anos antes.

Mais vinho, mais barato e melhor

Por todos esses fatores, os apreciadores da bebida podem hoje desfrutar de vinhos com uma qualidade nunca vista antes na história e, mais, sem necessariamente pagar caro por isso. Atualmente, a grande maioria dos rótulos de entrada são bem-feitos e agradáveis. Antigamente não era assim.

Por outro lado, a ampliação do público de consumidores fez com que os vinhos mais cobiçados alcançassem valores ainda mais estratosféricos. Mas, nesse caso pouco mudou, já que os melhores rótulos sempre foram para o bico de poucos.